Livro Quinto, Capítulo V.
Como as leis estabelecem a igualdade na democracia
(...)
Ainda que, na democracia, a igualdade real seja a alma do Estado, ela é, no entanto, muito difícil de ser estabelecida, a ponto de que uma extrema exatidão a esse respeito nem sempre seria conveniente. Basta que se estabeleça um censo que reduza ou fixe as diferenças num determinado ponto; depois disso, cabe a leis particulares igualar, por assim dizer, as desigualdades, por meio de tributos impostos aos ricos e a isenção atribuída aos pobres. Apenas riquezas medíocres podem oferecer ou suportar essas espécies de compensação: pois, para fortunas imoderadas, tudo o que não se lhes atribua de poder e de honra, elas encaram como ofensa.
Toda desigualdade na democracia deve provir da natureza da democracia e do próprio princípio de igualdade. Por exemplo, pode-se temer que as pessoas que tivessem necessidade de trabalho contínuo para viver se empobrecessem demais por uma magistratura, ou que negligenciassem suas funções; que artesãos se vangloriassem; que libertos em grande número se tornassem mais poderosos do que os antigos cidadãos. Nesses casos, a igualdade entre os cidadãos pode ser extinta na democracia para o bem da democracia. Porém, o que se extingue não passa de uma igualdade aparente: pois um homem arruinado por uma magistratura estaria em condição pior que os demais cidadãos; e esse mesmo homem, que seria obrigado a negligenciar as próprias funções, colocaria os outros cidadãos em condição pior que a sua; e assim por diante.
Livro Onze, Capítulo VI.
Da constituição da Inglaterra
Há, em cada Estado, três espécies de poderes: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem dos direitos das gentes, e o poder executivo das que dependem do direito civil.
Pelo primeiro, o príncipe, ou o magistrado, elabora leis para um certo tempo ou para sempre, e corrige ou revoga as existentes. Pelo segundo, faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, instaura a segurança, impede as invasões. Pelo terceiro, pune os crimes, ou julga as pendências entre particulares. Chamamos a este último o poder de julgar e ao outro simplesmente o poder executivo do Estado.
A liberdade política num cidadão é aquela tranquilidade de espírito que provém da opinião que cada um tem de sua segurança; e para que se tenha essa liberdade, é preciso que o governo seja tal que um cidadão não possa temer outro cidadão.
Quando se reúne na mesma pessoa, ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo e o executivo, não existe liberdade; porque pode-se temer que o próprio monarca, ou o próprio senado, faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente.
Também não existe liberdade, se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e do poder executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário: pois o juiz seria o legislador. Se estivesse unida ao poder executivo, o juiz teria a força de um opressor.
Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo de principais, ou de nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as pendências entre particulares.
(...)
Montesquieu. Do espírito das leis.
In: Weffort, Francisco C. (org.). Os clássicos da política. São Paulo: Ática, 2008.