Martha Nussbaum [sobre educação nas sociedades democráticas]
1-Estão ocorrendo mudanças radicais no que as sociedades democráticas ensinam a seus jovens, e essas mudanças não têm sido bem pensadas. Obcecados pelo PNB, os países – e seus sistemas de educação – estão descartando, de forma imprudente, competências indispensáveis para manter viva a democracia. (...) De fato, o que poderíamos chamar de aspectos humanistas da ciência e das ciências humanas – o aspecto construtivo e criativo, e a perspectiva de um raciocínio crítico rigoroso – também está perdendo terreno, já que os países preferem correr atrás do lucro de curto prazo por meio do aperfeiçoamento das competências lucrativas e extremamente práticas adequadas à geração de lucro.
2-(...) Toda democracia moderna é também uma sociedade na qual as pessoas se diferenciam bastante segundo um grande número de parâmetros, entre eles religião, etnia, riqueza e classe, incapacidade física, gênero e sexualidade, e na qual todos os eleitores fazem escolhas que têm um impacto significativo na vida das pessoas que discordam deles. Um modo de avaliar qualquer sistema educacional é perguntar quão bem ele prepara os jovens para viver numa forma de organização social e política com essas características. Sem o apoio de cidadãos adequadamente educados, nenhuma democracia consegue permanecer estável.
3-Devo dizer que a capacidade refinada de raciocinar e refletir criticamente é crucial para manter as democracias vivas e bem vigilantes. Para permitir que as democracias lidem de modo responsável com os problemas que enfrentamos atualmente como membros de um mundo interdependente é crucial ter a capacidade de refletir de maneira adequada sobre um amplo conjunto de culturas, grupos e nações no contexto de uma compreensão da economia global e da história de inúmeras interações nacionais e grupais. E a capacidade de imaginar a experiência do outro – uma capacidade que quase todos os seres humanos possuem de alguma forma – precisa ser bastante aumentada e aperfeiçoada, se quisermos ter alguma esperança de sustentar instituições decentes que fiquem acima das inúmeras divisões que qualquer sociedade moderna contém.
Nussbaum, Martha. Sem fins lucrativos. São Paulo: Martins Fontes, 2015. Trechos do Cap. 1.