O bote salva-vidas
- Certo – disse Roger, autonomeado capitão do bote salva-vidas.
- Há doze de nós neste barco, o que é ótimo, pois a capacidade dele é de até 20 pessoas. E temos bastante provisões para durar até que alguém chegue para nos resgatar, o que não vai demorar mais que 24 horas. Então, eu acho que isso significa que podemos nos permitir com segurança um biscoito de chocolate extra e uma dose de rum para cada um. Alguma objeção?
- Por mais que eu, sem dúvida, desfrutasse do biscoito extra – disse o Sr. Mates –, nossa prioridade agora não deveria ser levar o barco até ali e pegar a pobre mulher que está se afogando e há meia hora está gritando para nós?
Algumas pessoas baixaram os olhos para o fundo do barco, envergonhadas, enquanto outras sacudiam a cabeça sem acreditar.
- Achei que tínhamos concordado – disse Roger. – Ela não está se afogando por nossa culpa, e se a pegarmos, não poderemos desfrutar de nossas rações extras. Por que deveríamos perturbar esse esquema aconchegante e confortável que temos aqui? – Grunhidos de aprovação foram ouvidos.
- Porque nós podemos salvá-la, e se não salvarmos, ela vai morrer. Isso não é razão suficiente?
- A vida é mesmo uma merda – respondeu Roger. – Se ela morrer, não vai ser porque nós a matamos. Alguém aceita um digestivo?
Baggini, Julian. O porco filósofo: 100 experiências de pensamento para a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2006.